Dirceu Arcoverde – Esperança interrompida

Teresina-PI

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Eu vi o governador! De longe…

Era 13 de maio de 1977, uma sexta-feira. Eu tinha 15 anos e me mostrava curioso diante dos acontecimentos de minha pequena cidade, Água Branca, a 100 quilômetros ao Sul de Teresina.  

Uma manhã de sol, a Praça 1º de Julho, à época a principal da cidade, estava coalhada de pessoas. Só a feira de domingo juntava tanta gente ao redor da praça, depois batizada de Deputado Gomes Callado.

Aquela multidão se acotovelava no local para receber o governador Dirceu Arcoverde, que estava na cidade para inaugurar o hospital e o sistema de abastecimento de água. 

Foi ali que vi Dirceu Arcoverde pela primeira vez. Foi ali que pela primeira vez também vi um governador. Aliás, não vi propriamente o governador. De onde eu estava, na praça, por mais que esticasse o pescoço e subisse nas pontas dos pés, só conseguia distinguir, por cima de incontáveis cabeças e chapéus de palha e de couro, o vulto de um homem magro, de calvície avançada, em meio a outros homens, a que todos se dirigiam com reverências e louvações.  

Todos – o governador, o prefeito, secretários de Estado, deputados, vereadores e outros convidados – estavam em um palanque improvisado na carroceria de um caminhão estacionado em frente à casa do velho Callado, o chefe político da cidade. 

Uma luz passeava sobre a multidão e se demorava no palanque oficial. Era o holofote da TV Clube, então a única emissora de televisão do Piauí e que fazia a cobertura da visita do governador. 

*** 

Voltei a ver o governador, também de longe, outra vez, em 1978, já morando em Teresina, não lembro se em uma inauguração ou em um comício.

Eu havia me transferido no início daquele ano para a capital para cursar o Ensino Médio, na Escola Técnica Federal do Piauí, hoje IFPI. 

O que recordo mais nitidamente daquela época é que Dirceu era o adversário do ex-governador Alberto Silva como candidato a senador. Era uma campanha da qual todo mundo dava conta na capital, mesmo quem não se interessava muito por política, tal era o nível de seu acirramento.

Teresina era albertista “doente”, como se dizia então. A propaganda apresentava Alberto Silva como “O Senador do Povo”, acrescentando-lhe o título de maior governador do Piauí de todos os tempos. 

O clima eleitoral e o entusiasmo da oposição contagiavam a juventude. Logo fui atingido também pelo espírito oposicionista que dominava a cidade e passei a torcer por Alberto Silva. 

Naquela época, eu tinha 16 anos e os jovens nessa idade ainda não votavam. Eles só adquiriram esse direito com a Constituição de 1988. Então, eu só podia torcer. E foi o que fiz. 

O candidato Alberto Silva era um furacão em Teresina, especialmente pela construção do estádio Albertão, a obra-símbolo de seu governo e palco dos grandes clássicos na fase áurea do futebol piauiense.  

Pouco se falava da obra do adversário, que o sucedera no governo. Dirceu também era dono de um riquíssimo acervo de realizações em todo o Piauí, a partir de Teresina, onde implantou o novo sistema de abastecimento de água com capacidade para atender satisfatoriamente a população além do ano 2.000. Era o maior investimento público no Estado depois da usina hidrelétrica de Boa Esperança. 

Mas paixão política própria das campanhas eleitorais, só enxergava as obras de Alberto Silva, que de fato eram vultosas e volumosas, impactantes, mas não suplantavam as de Dirceu! 

Além do mais, Alberto era o candidato da oposição. Era o que todo mundo dizia e também o que eu sabia.  

Naquela época, minha imaturidade era tamanha que não me permitia ver que Alberto e Dirceu eram da mesma sigla, a Arena, o partido do governo.  

Então, eu misturava alhos com bugalhos, como muitos. Ou seja, não sabia que o primeiro não era oposição de verdade, mas apenas dissidente. 

E lembro também, daquela época, do clima de comoção pública que dominou Teresina com o prematuro falecimento do senador Dirceu Arcoverde, em Brasília, bem no início de seu mandato. 

*** 

Quando ingressei na imprensa, em 1980, fui começando a conhecer melhor a realidade política do Piauí, sobretudo, a partir de 1985. Nesse ano, passei a me dedicar ao jornalismo político, acumulando-o, mais na frente, com a função de editor-chefe de vários veículos de comunicação de Teresina.  

Convivi profissionalmente com as principais personalidades políticas daquela geração e com elas muito aprendi sobre os seus contemporâneos, incluindo Dirceu Arcoverde. 

Para uma ou duas gerações, Dirceu hoje não passa do nome do bairro mais populoso de Teresina, o Grande Dirceu; do nome de um pequeno município do sertão do Piauí e de nome de vários equipamentos e logradouros públicos, notadamente hospitais, ruas e avenidas, em várias cidades. 

É, sobretudo, para estes que escrevo este livro, a fim de que possam conhecer a história de um dos maiores governadores do Piauí.

A obra está dividida em cinco capítulos. O primeiro recompõe o cenário político do Brasil em 1979, o ano da morte do senador. Também reconstitui os últimos dias de sua longa agonia e de seu breve mandato parlamentar.

O segundo traça o perfil biográfico de Dirceu antes de seu ingresso na vida pública, inciando com o nascimento dele, em Amarante, e indo até a sua formatura em Medicina, no Rio de Janeiro. Destacam-se, nessa parte, as paisagens naturais e humanas do Piauí e os vultos históricos de então que tiveram influência na vida do biografado.

 O terceiro capítulo conta como Dirceu Arcoverde chegou ao Governo do Piauí, jogando luzes sobre os bastidores de sua escolha. Também mostra como ele governou e traz um balanço de suas realizações.

 O quarto foca as eleições de 1978 no Piauí, quando ele disputou o mandato de senador em uma das campanhas mais acirradas da história do Estado. Pelas voltas e reviravoltas que a política dá, Dirceu enfrentou nas urnas justamente um mito nascente da política piauiense, o ex-governador Alberto Silva, de quem fora secretário de Saúde.

Por último, o quinto capítulo narra a comoção pública causada no Piauí pela inesperada morte do senador vitorioso nas urnas, o impacto que ela causou na política estadual, o vácuo que o seu desaparecimento provocou e as homenagens póstumas que lhe foram tributadas.    

A história de Dirceu Arcoverde encanta especialmente pela figura humana que ele encarnou como médico, por mais de 20 anos, e homem público, por breve período. 

Uma carreira pública brilhante que foi interrompida bruscamente ainda no começo, com a sua morte súbita. 

Quarenta anos depois de seu prematuro falecimento, todos ainda temos muito o que aprender com ele, pelo seu exemplo de sua austeridade, de simplicidade e de devoção ao Piauí.  

Zózimo Tavares

(Do livro “Dirceu Arcoverde – Esperança interrompida”, a ser lançado em breve)

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